Ambiente e Território
Mensagem de Raimundo Quintal sobre a Carta Encíclica LAUDATO SI
Data
22
Abril
2025
Autor
Autor:
GEOTA

O GEOTA subscreve a mensagem de Raimundo Quintal sobre a Carta Encíclica LAUDATO SI:


"No dia da morte do Papa Francisco, sinto o dever de agradecer-Lhe a Carta Encíclica LAUDATO SI’ (LOUVADO SEJAS).

 A   Carta   Encíclica   LAUDATO  SI’  (LOUVADO SEJAS), publicada a 24 de maio de 2015, integra 6 capítulos:


O Capítulo I – O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA – faz “uma breve resenha dos vários aspetos da atual crise ecológica”.


O Capítulo II – O ENVAGELHO DA CRIAÇÃO – retoma “algumas das argumentações que derivam da tradição judaico- cristã”, visando dar maior coerência ao “comportamento com o meio ambiente”.


O    Capítulo    III    –    A    RAIZ    HUMANA   DA      CRISE ECOLÓGICA – procura “chegar às raízes da situação atual, de modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas”.


O Capítulo IV – UMA ECOLOGIA INTEGRAL – propõe uma “ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia”.


O Capítulo V – ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO – indica “algumas das grandes linhas de diálogo e de ação que envolvem seja cada um de nós seja a política internacional”.


O Capítulo VI   –   EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS – diz “que toda a mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo” e propõe “algumas linhas de maturação humana inspiradas no tesouro da experiência espiritual cristã”.


Neste documento farei eco de algumas mensagens constantes nos capítulos I, IV e VI.

Capítulo I – O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA

 

POLUIÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Na realidade a tecnologia, que, ligada à finança, pretende ser a única solução dos problemas, é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um problema criando outros.

(…) Se a tendência atual se mantiver, este século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós. Por exemplo, a subida do nível do mar pode criar situações de extrema gravidade, se se considera que um quarto da população mundial vive à beira- mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras.

(…) Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenómenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais.


(…) É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil.”


A QUESTÃO DA ÁGUA

“Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável.”

Segundo a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), devido à água de má qualidade, ocorrem anualmente “4 mil milhões de casos de diarreia e 2,2 milhões de mortes, o que equivale a 20 acidentes de aviões jumbo por dia”.


PERDA DA BIODIVERSIDADE

“Os recursos da Terra estão a ser depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva. A perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços. As diferentes espécies contêm genes que podem ser recursos-chave para resolver, no futuro, alguma necessidade humana ou regular algum problema ambiental.


(…) Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa económica, costuma-se olhar para os seus efeitos no solo, na água e no ar, mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade, como se a perda de algumas espécies ou de grupos animais ou vegetais fosse algo de pouca relevância.


(…) Habitualmente também não se faz objeto de adequada análise a substituição da flora silvestre por áreas florestais com árvores, que geralmente são monoculturas.


(…) Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta, mas também a maior parte da vasta variedade dos seres vivos, muitos deles ainda desconhecidos para nós e ameaçados por diversas causas.


(…) Passando aos mares tropicais e subtropicais, encontramos os recifes de coral, que equivalem às grandes florestas da terra firme, porque abrigam cerca de um milhão de espécies, incluindo peixes, caranguejos, moluscos, esponjas, algas e outras. Hoje, muitos dos recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontram-se num estado contínuo de declínio: Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?”


DETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA HUMANA E DEGRADAÇÃO SOCIAL

“Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas.”


DESIGUALDADE PLANETÁRIA

“O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social.


(…) a poluição da água afeta particularmente os mais pobres que não têm possibilidades de comprar água engarrafada, e a elevação do nível do mar afeta principalmente as populações costeiras mais pobres que não têm para onde se transferir. O impacto dos desequilíbrios atuais manifesta-se também na morte prematura de muitos pobres, nos conflitos gerados pela falta de recursos e em muitos outros problemas que não têm espaço suficiente nas agendas mundiais.

(…) A dívida externa dos países pobres transformou-se num instrumento de controle, mas não se dá o mesmo com a dívida ecológica. De várias maneiras os povos em vias de desenvolvimento, onde se encontram as reservas mais importantes da biosfera, continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro.”



A FRAQUEZA DAS REAÇÕES

“Preocupa a fraqueza da reação política internacional. A submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afetados os seus projetos.”



IV – UMA ECOLOGIA INTEGRAL

 

ECOLOGIA AMBIENTAL, ECONÓMICA E SOCIAL

“É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socio-ambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”


ECOLOGIA CULTURAL

“A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável.

(…) A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade.


(…) O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo hegemónico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas.”


ECOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA

“Está provado que a penúria extrema vivida nalguns ambientes privados de harmonia, magnanimidade e possibilidade de integração, facilita o aparecimento de comportamentos desumanos e a manipulação das pessoas por organizações criminosas.


(…) Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os transportes, que muitas vezes são causa de grandes tribulações para os habitantes. Nelas, circulam muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas, pelo que o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição, consomem-se enormes  quantidades  de  energia  não-renovável e torna-se necessário a construção de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano. Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prioridade ao transporte público. Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias sejam pacificamente acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria substancial do referido transporte, que, em muitas cidades, comporta um tratamento indigno das pessoas devido à superlotação, ao desconforto, ou à reduzida frequência dos serviços e à insegurança.”



A JUSTIÇA INTERGERACIONAL

“A noção de bem comum engloba também as gerações futuras. As crises económicas internacionais mostraram, de forma atroz, os efeitos nocivos que traz consigo o desconhecimento de um destino comum, do qual não podem ser excluídos aqueles que virão depois de nós. Já não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeracional.


(…) As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões. A atenuação dos efeitos do desequilíbrio atual depende do que fizermos agora, sobretudo se pensarmos na responsabilidade que nos atribuirão aqueles que deverão suportar as piores consequências.


(…) Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro, é suficiente que recordemos os pobres de hoje, que poucos anos têm para viver nesta Terra e não podem continuar a esperar.”



VI – EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS

“Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração.


Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjetivo do paradigma tecno-económico.


(…) A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objetivos. Se, no começo, estava muito centrada na informação científica e na consciencialização e prevenção dos riscos  ambientais,  agora  tende  a  incluir  uma  crítica  dos «mitos» da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus.


(…) não se deve descurar nunca a relação que existe entre uma educação estética apropriada e a preservação de um ambiente sadio. Prestar atenção à beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista. Quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos.”




Eu, ecologista pecador, jamais tinha pensado ler uma Carta Encíclica com a dimensão ecológico-social da LAUDATO SI’ do Papa Francisco.

Uma notabilíssima redescoberta, oito séculos volvidos, da mensagem de São Francisco de Assis, reconhecidamente seu grande inspirador.

Por isso foi, sem surpresa, que assisti aos “apedrejamentos” por parte dos neoliberais fiéis do mercado todo poderoso (deificado).

O Papa Francisco defendeu princípios fundamentais para uma mudança de paradigma ecológico-económico-social. Infelizmente, foi pouco ouvido pelos poderosos líderes políticos, que teimam em empurrar a espécie humana para o abismo da extinção."


21.04.2025

Raimundo Quintal

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