Ambiente e Território
Parecer: Consulta pública da revisão do PDM de Grândola
Data
15
Outubro
2024
Autor
Autor:
GEOTA

O GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente - é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA), de âmbito nacional e sem fins lucrativos, em atividade desde 1981. No âmbito da consulta pública sobre o PDM Grândola, o GEOTA submete o presente parecer procurando contribuir construtivamente para a melhoria deste documento de política energética e climática e para a sua implementação otimizada.

O GEOTA tem vindo a acompanhar o crescimento do turismo no litoral alentejano, mais especificamente no troço Sado-Sines, desde o início dos anos 90. Trata-se de um território que escapou ao crescimento turístico desregrado que vimos acontecer, por exemplo, no Algarve. Se é certo que se veem alguns bons exemplos de turismo sustentável, também não deixa de ser verdade que vimos aprovar empreendimentos turísticos como o Costa Terra, o Na Praia ou a Herdade do Pinheirinho sem que primeiro fosse feito o planeamento regional e a devida análise dos impactes ambientais cumulativos, tendo na base uma inaceitável declaração de ausência de alternativas e uma utilização abusiva da classificação de interesse público dos projetos.

Mais recentemente, temos visto o número de projetos acelerar, sendo disso prova o aumento de pedidos de licenciamento municipal, sentindo-se, a par, os efeitos na população local, provavelmente bem distantes dos benefícios locais anunciados pelos projetos.

A presente revisão do PDM de Grândola não nos descansa, antes pelo contrário, conforme detalharemos de seguida.

Proposta da Câmara Municipal de Grândola

Os termos de referência para a presente revisão do PDM de Grândola reconhecem, tendo por base o primeiro Relatório de Monitorização Setorial do Turismo, que a intensidade turística efetiva (ITCE) do Município de Grândola se encontra já ultrapassada, considerando os pedidos de informação prévia (PIP) aprovados. Destaca ainda que o desenvolvimento turístico se concentrou no litoral do concelho, contrariamente ao que pretendia o atual PDM, que apostava num desenvolvimento do território mais interior. O documento em consulta é claro ao referir que, em dezembro de 2021, estariam aprovadas 22 327 camas que comparam com o máximo previsto por lei de 14 915, ou seja, um excesso de quase 50%.

Estamos, assim, perante uma situação preocupante. Tanto mais preocupante quando já se sentem no terreno os impactes ambientais (e também os sociais) e se verifica que parte muito significativa das camas ainda se encontra por executar.

A leitura do documento em consulta é complexa, dir-se-ia mesmo, confusa. Sendo um documento produzido, em princípio, para esclarecer o público interessado por esta região, em nada abona ao esclarecimento, em particular no que se refere à apresentação dos dados numéricos e à descrição das alterações e ao acréscimo de camas turísticas para a região. Teria sido possível, com base em quadros e esquemas, sistematizar a situação. Com os meios hoje disponíveis, seria possível mostrar toda a situação em formato geográfico, por exemplo, sobre a cartografia do Google maps.

De modo resumido, o que propõe a Câmara Municipal de Grândola (CMG) é o seguinte:

- Adaptação da ITCE por força do Plano Regional do Ordenamento do Território do Alentejo (PROT-A) e da redução de população verificada nos últimos censos, que conduz a que a ITCE passe de 14 915 a 14 294 camas (redução de 6%);

- Aumento da ITCE resultante da “importação” de camas dos municípios de Santiago do Cacém e Odemira (+2 859 camas).

No balanço, o que nos propõe a Câmara é um aumento de cerca de 2 238 camas, ou seja, um aumento de 15% da ITCE no concelho, ou seja, um aumento de 15% no número de camas a construir acima do previsto no PDM hoje em vigor.

Mas, a estes números devemos somar cerca de 22 450 camas aprovadas antes do PROT-A (estando por executar uma parte). Acrescem ainda as segundas habitações, realidade não desprezável no território, antes pelo contrário.

Em síntese, perante um diagnóstico preocupante, o que a CMG propõe, na prática, é um aumento de camas que permita acomodar o excesso de PIP já atribuídos. A pergunta que se deve fazer é como é que foi possível atribuir PIP para além do legalmente permitido? Ou seja, para além da ITCE definida por lei.

Mais refere a Câmara, relativamente aos PIP ainda com análise suspensa, que apesar dos particulares “(…) não terem quaisquer direitos ou expectativas legítimas no sentido de verem os seus pedidos aprovados, porquanto a lei aplicável é sempre a que vigora à data da sua apreciação, a tutela dos interesses particulares (…) justifica a respetiva (…) avaliação de acordo com os parâmetros que vigoravam à data da submissão dos pedidos (…)”. Em troca, a Câmara impõe uma redução ao número de camas solicitadas. Ou seja, a Câmara privilegia os interesses particulares em detrimento dos interesses difusos, indo para além da lei e da ITCE legal no município.

Concluindo, a presente revisão do PDM de Grândola é anunciada como necessária para controlar o crescimento turístico, procurando promover um turismo e um município mais sustentáveis. Todavia, da análise do documento afigura-se o contrário. Verifica-se antes um aumento da pressão turística no concelho, a qual, é já relevante como se reconhece na própria fundamentação da revisão.

Necessária Avaliação Ambiental da Revisão do PDM de Grândola

No que se refere à apregoada sustentabilidade que se anuncia pretender para o território, considera-se que seria peça fundamental para a informação de todos, em particular do proponente do plano, dispor de uma avaliação ambiental deste instrumento de gestão territorial que promovesse um estudo sistemático dos seus impactes ambientais e indicasse estratégias para o seu controlo.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, na sua redação atual, o qual estabelece o regime a que fica sujeita a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.º 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, e 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, cabe ao proponente do plano, neste caso a Câmara Municipal de Grândola (CMG) decidir acerca da necessidade, ou não, de desenvolver uma avaliação deste tipo.

A CMG, no capítulo 5. do documento “Plano Diretor Municipal de Grândola – 1.ª Alteração – Sistema Turístico – Relatório de Fundamentação (julho de 2024)”, refere que esta revisão do PDM está isenta deste tipo de avaliação porque:

De acordo com a lei em vigor “…as pequenas alterações aos programas e aos planos territoriais só serão objeto de avaliação ambiental no caso de se determinar que são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.”.

Mais referem que “A alteração acima descrita não comporta efeitos significativos no ambiente, dado que a mesma prevê como principais objetivos a revisão em baixa, quer dos parâmetros previstos para os ETI, quer dos critérios de inserção territorial, integração paisagística e qualidade urbanística e ambiental dos NDT, com vista à salvaguarda dos valores naturais, ambientais e paisagísticos.

 Atendendo aos objetivos da alteração, conclui-se que esta não é suscetível de ter efeitos significativos no ambiente, uma vez que não comporta uma alteração do quadro substantivo das intervenções propostas, mas sim irá permitir fazer à forte pressão urbano turística que se verifica.

Mais, o documento cita a totalidade dos critérios de base à avaliação da necessidade do desenvolvimento de uma AAE mas, sem uma análise detalhada a estes critérios, conclui:

Em termos de caracterização da natureza das alterações em questão e das áreas de intervenção envolvidas, está-se perante uma alteração que não é suscetível de produzir efeitos ambientais significativos, tendo presentes os citados critérios. 

Não se verifica, também, a probabilidade, duração, frequência e reversibilidade dos efeitos, riscos para a saúde humana e para o ambiente, pelas mesmas razões. Não estão em causa, por isso, na alteração, características naturais específicas ou de património cultural ou áreas/paisagens com estatuto protegido a nível nacional, comunitário ou internacional, que possam ser prejudicadas. Afigura-se igualmente que a alteração pretendida não põe em causa as normas ou valores limite em matéria de qualidade ambiental, nem uma utilização intensiva do solo, aspetos relativos às características dos impactes e da área suscetível de ser afetada. Assim, ponderados os vários aspetos em presença, considera-se que não se está na presença de alterações que atentos os critérios relativos à determinação da probabilidade de efeitos significativos no ambiente sejam suscetíveis de se dar por verificados no caso presente, razão pela qual pode ser dispensada de avaliação ambiental.”

Primeiro, discorda-se que um aumento em 20% das camas turísticas não tenha impacte ambiental no território, já de si bastante pressionado, como reconhece a própria CMG na página 16 do referido documento de fundamentação:

“Assim, a proliferação de um maior número de empreendimentos turísticos na faixa litoral do concelho, para além dos que correspondem às camas efetivas, incluindo as correspondentes a projetos previstos em planos anteriores ao PROTA, e às pretensões pendentes, é suscetível de comprometer a sustentabilidade e a coesão territoriais, importando, por isso, adotar medidas que salvaguardem o impacto nas infraestruturas existentes, nos recursos hídricos e nos recursos ecológicos, com especial relevância para os da área da ZEC Comporta-Galé, nesta área do território.”.

Nesta declaração reconhecem-se os referidos riscos, mas os mesmos não se quantificam, nem se referem as medidas ambientais de salvaguarda que irão minimizar os referidos impactes ambientais no território.

Por norma, um acréscimo de carga, nomeadamente sem alteração significativa e positiva do modelo de gestão do território, transportes, acessos às praias, de reequilíbrio territorial para a população existente, de compatibilização das várias novas atividades que, por norma, acrescem pressão ao território (como o forte desenvolvimento turístico) e de medidas de salvaguarda de recursos como a água e a biodiversidade, apenas agravará os impactes ambientais e comprometerá a sustentabilidade da região.

Destaca-se que as praias deste município estão cada vez mais pressionadas. Acresce que ainda não recebem grande parte da pressão que se perspetiva para estas áreas, a concretizar em pleno quando todos os projetos previstos e já aprovados estiverem concluídos, aos quais vão acrescer ainda 20% de camas turísticas com este novo PDM.

Por outro lado, o acesso às praias faz-se maioritariamente em transporte individual, aumentando significativamente a pressão sobre estas áreas.

Há também impactes cumulativos entre os vários projetos turísticos atuais, emergentes e futuros que seria de todo o interesse estudar.

Acresce que este litoral, ainda bastante preservado, está maioritariamente inserido, por essa razão, em Rede Natura 2000, com valores comunitários ao nível da biodiversidade que faz todo o sentido preservar, como fator diferenciador do concelho e dos concelhos limítrofes.

Mais se refere que existem também impactes cumulativos com os múltiplos projetos agrícolas em implementação neste concelho e em particular no Concelho de Alcácer do Sal contíguo a Grândola e que tem vindo a receber uma crescente pressão agrícola, com novos projetos de regadio. Aliás, no Concelho de Alcácer, a pressão turística é também muito significativa. Uma boa AAE à proposta de alteração do PDM deveria dar uma particular atenção a estes impactes, nomeadamente para melhor acautelar e salvaguardar os já referidos valores de conservação da natureza e da biodiversidade e a gestão do recurso água que escasseia e que, com os crescentes efeitos das alterações climáticas, mais pressão virão a sentir.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 232/2007, os critérios a verificar na sujeição de um PDM a uma AAE são os seguintes:

“Critérios de determinação da probabilidade de efeitos significativos no ambiente:

1 - Características dos planos e programas, tendo em conta, nomeadamente:

a) O grau em que o plano ou programa estabelece um quadro para os projetos e outras atividades no que respeita à localização, natureza, dimensão e condições de funcionamento ou pela afetação de recursos;

b) O grau em que o plano ou programa influencia outros planos ou programas, incluindo os inseridos numa hierarquia;

c) A pertinência do plano ou programa para a integração de considerações ambientais, em especial com vista a promover o desenvolvimento sustentável;

d) Os problemas ambientais pertinentes para o plano ou programa;

e) A pertinência do plano ou programa para a implementação da legislação em matéria de ambiente.

- Características dos impactes e da área suscetível de ser afetada, tendo em conta, nomeadamente:

a) A probabilidade, a duração, a frequência e a reversibilidade dos efeitos;

b) A natureza cumulativa dos efeitos;

c) A natureza transfronteiriça dos efeitos;

d) Os riscos para a saúde humana ou para o ambiente, designadamente devido a acidentes;

e) A dimensão e extensão espacial dos efeitos, em termos de área geográfica e dimensão da população suscetível de ser afetada;

f) O valor e a vulnerabilidade da área suscetível de ser afetada, devido a:

i) Características naturais específicas ou património cultural;

ii) Ultrapassagem das normas ou valores limite em matéria de qualidade ambiental;

iii) Utilização intensiva do solo;

g) Os efeitos sobre as áreas ou paisagens com estatuto protegido a nível nacional, comunitário ou internacional.”

Fazendo uma análise breve dos critérios acima, não se compreende a isenção assumida pela CM Grândola, designadamente pelos aspetos ambientais acima elencados.

Por outro lado, de acordo com as boas práticas da AAE, claramente explicadas no “Guia da Avaliação Ambiental dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (DGOTDU, 2008)”, a fundamentação da análise relativa ao enquadramento de um plano numa avaliação ambiental estratégica deveria fazer uma análise a cada um dos critérios elencados no Decreto-Lei n.º 232/2007, o que, conforme se pode ver pela justificação apresentada pela CMG, acima transcrita, não parece ter-se verificado.

Analisando a fundamentação expressa pela CMG, que não mais será do que “juíza em causa própria”, considera-se que a mesma fica muito aquém das boas práticas devidamente explicitadas pela DGOTDU e previstas no referido diploma.

Acresce que a CMG poderia (e em nosso ver em muito ganharia) ter consultados as entidades com responsabilidades ambientais específicas (ERAE), nomeadamente a Agência Portuguesa do Ambiente, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo acerca da necessidade de uma AAE para este plano. No documento de fundamentação relativa à revisão do PDM também nada é dito relativamente a este aspeto.

Tendo em conta os valores em presença, os riscos ambientais associados à aplicação deste novo instrumento de gestão territorial e a pressão crescente sobre este território e todo o litoral alentejano, considera-se fundamental, diremos mesmo necessária para o cumprimento da lei, que se faça uma AAE à proposta do PDM de Grândola.

Atendendo aos valores de biodiversidade em presença no Concelho de Grândola, em particular vastas área de Rede Natura 2000, seria ainda vantajoso a consulta ao ICNF para validação da necessidade de uma avaliação de incidências ambientais.

Conclusão 

A presente revisão do PDM de Grândola é anunciada como necessária para controlar o crescimento turístico, procurando manter um turismo sustentável.

Pois o que vemos é o contrário. A par de uma pequena redução no número máximo de camas, resultado da diminuição do número de habitantes no concelho, surge um aumento de 20% importados de concelhos vizinhos, aumentando assim a pressão turística no concelho. Somam-se as camas de projetos aprovados no passado, antes do planeamento regional, com discutíveis direitos adquiridos. O balanço aponta para um aumento de 15% do número de camas. Nisto tudo não são contabilizadas as segundas habitações, com impacte significativo. Importa ainda ter em consideração as cerca de 22 500 camas aprovadas antes do PROT-A.

E, tudo sem que se conheçam os reais impactes ambientais e sociais do que é proposto. Por opção da Câmara, e com uma justificação incompreensível como se explicou acima, fica por fazer a necessária avaliação ambiental estratégia que tenha em consideração todo o conjunto proposto e os impactes cumulativos.

Em síntese, o GEOTA considera que a proposta de revisão do PDM deve ser rejeitada.

Todavia, importa não ficar de "braços cruzados", é preciso agir e salvar esta região do turismo descontrolado. A revisão do PDM é necessária, mas não como está atualmente proposta. Até lá, há que travar os novos licenciamentos, analisar com detalhe os discutíveis direitos adquiridos, fiscalizar, com meios, o que está a ser feito no terreno. A par, impõe-se a divulgação pública de informação, em formato facilmente compreensível por todos, todos convocando para a discussão do que é o turismo sustentável para esta região.

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