2025
O GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente – vem participar na consulta pública do projeto legislativo que “Transpõe parcialmente a Diretiva RED III no que respeita às alterações ao Sistema Elétrico Nacional” com considerações e recomendações de elevada relevância para o objeto da consulta em causa e para a implementação de projetos de energias renováveis em Portugal, procurando minimizar impactos ambientais e sociais.
O projeto legislativo procede à transposição parcial da Diretiva RED III, consistindo nas seguintes medidas: a) altera o regime de organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, prevendo a criação de zonas de aceleração da implantação de energia renovável (ZAER), destinadas a simplificar a implementação de projetos de energias renováveis nessas zonas; b) adicionalmente, estabelece um regime de controlo prévio para os projetos de energias renováveis localizados nas ZAER, incluindo um procedimento de verificação ambiental simplificado; c) prevê a elaboração de um plano nacional de medidas destinadas a promover a participação e o envolvimento do público nos projetos de energias renováveis; d) cria a obrigação de o promotor do projeto de energias renováveis apresentar um plano de medidas destinadas a facilitar a aceitação pública do projeto.
Neste contexto, o GEOTA submete na consulta pública os seguintes pontos-chave:
- O GEOTA reivindica, pelo menos desde há quatro anos, a necessidade de melhor planeamento na implementação de projetos de energias renováveis no país, incluindo através do mapeamento de áreas mais e menos adequadas para centrais solares e parques eólicos, considerando aspetos técnicos, ambientais e sociais, e da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica para analisar as várias opções em detalhe antes da tomada de uma decisão definitiva. Desta forma, considera-se relevante a criação de zonas de aceleração da implantação de energias renováveis (ZAER) proposta na transposição parcial da Diretiva RED III, bem como a obrigatoriedade da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica.
- Existe um histórico de vários anos de mapeamento de áreas de menor sensibilidade ambiental liderado pelo LNEG, que resultou em mapas com várias camadas de condicionantes. Na segunda iteração, houve envolvimento das associações ambientalistas (através da coligação C7) que apoiaram o processo e, com base no seu extenso trabalho de campo, identificaram ecossistemas, habitats, e espécies a proteger. Ainda assim, destaca-se que a oficialização das ZAER surge apenas por obrigação europeia da Diretiva REDIII, com o prazo de fevereiro de 2026. O GEOTA considera que, em Portugal, este processo surge tardiamente por já estarem, por exemplo, mais de 10 GW de solar fotovoltaico aprovados após a Avaliação de Impacto Ambiental. A implantação destes projetos, muitas vezes, não tem em consideração os critérios de sensibilidade ambiental e social, que são a base da definição de ZAER, redundando em impactos negativos no ambiente, muitas vezes evitáveis, e em contestação por parte das comunidades locais.
- O estudo liderado pelo LNEG, com a participação de várias entidades, mapeou potenciais ZAER, com uma área que varia, para o solar fotovoltaico centralizado, entre 4,8% a 1,5% do território de Portugal Continental, conforme as condicionantes incluídas em cada cenário. Para a energia solar centralizada, tal corresponde a um potencial de geração de 3,3 a 42,8 GW em áreas que, teoricamente, têm menor sensibilidade ambiental. No cenário mais restritivo, verifica-se que 77% potenciais ZAER se encontram a menos de 20 km de uma subestação da rede de transporte e que 62% se encontram a uma distância máxima de 10 km das subestações da rede de distribuição. No entanto, entre 95% e 98% das potenciais ZAER mapeadas pelo LNEG não se encontram ocupadas com solar fotovoltaico e/ou eólica. Tal revela que não tem existido apetite por parte dos promotores de energias renováveis para direcionar os seus projetos para áreas de menor sensibilidade ambiental.
- Embora a identificação de ZAER seja relevante, o GEOTA considera que o maior desafio é garantir que há interesse ou obrigatoriedade por parte dos promotores para localizar os seus projetos de energias renováveis nestas áreas, especialmente quando têm enfrentado muito poucas condicionantes legais, ambientais, sociais ou outras para o fazer em quaisquer outros territórios. O GEOTA considera que o Governo pode operacionalizar vários mecanismos para promover este objetivo. Em primeiro lugar, o “interesse público superior” dos projetos de energias renováveis, proposto pela Diretiva RED III, deverá apenas ser aplicável, em certas condições, nas ZAER. Tal permitirá, por um lado, favorecer a implementação de projetos nas ZAER e, por outro lado, precaver contra a aplicação excessiva e discricionária deste princípio que coloca em causa a salvaguarda dos valores ecológicos e a participação democrática. Em segundo lugar, o Governo poderá promover benefícios fiscais (por exemplo, isenção do IMI) para projetos em ZAER e poderá estabelecer mecanismos de remuneração garantida da produção através de acordos CfD definidos de forma competitiva. Em terceiro lugar, os processos de Avaliações de Impacto Ambiental em áreas excluídas das ZAER devem-se tornar cada vez mais exigentes, contribuindo para a rejeição de projetos inadequados e para a melhoria dos projetos no geral. Nos últimos 10 anos, a taxa de aprovação de projetos de energias renováveis em sede de Avaliação de Impacto Ambiental foi superior a 90%, o que demonstra a baixa exigência e fraca triagem dos projetos. Em quarto lugar, deve ser atribuída ligação preferencial às redes elétricas para projetos situados em ZAER, com destaque para o reforço da rede de distribuição de eletricidade em edifícios e outras áreas artificializadas.
- A definição de ZAER deve considerar as reais necessidades de eletricidade do país, considerando um cenário de aposta na eficiência energética e nas energias renováveis descentralizadas de baixo impacto ambiental. Em particular, estas devem considerar i) o fraco desenvolvimento do mercado de hidrogénio verde com perspectivas irrealistas plasmadas na última versão do PNEC 2030 onde cerca de 8 GW da geração renovável está alocada à produção de hidrogénio verde, ii) uma maior aposta na produção de energia renovável descentralizada, incluindo através dos modelos de autoconsumo individual e coletivo e de comunidades de energia renovável, procurando, pelo menos, um equilíbrio de 50-50 nas metas de capacidade instalada de energia solar centralizada e descentralizada, e iii) uma aposta plena no repowering das centrais eólicas já em funcionamento. Este ajuste da ambição permite diminuir a dimensão das ZAER a mapear, evitando a inclusão de áreas menos apropriadas.
- A definição de ZAER deve ser feita para o horizonte 2030 e para o horizonte 2045, alinhando com o objetivo da neutralidade climática de Portugal, e deve resultar em mapas específicos para o solar fotovoltaico e para o eólico on-shore, considerando as características de cada tecnologia. Para o mapeamento das ZAER, devem ser recolhidos todos os dados de cartografia disponíveis, incluindo sobre ordenamento do território, biodiversidade e recursos naturais, e também dados bottom-up de mapeamento de espécies e habitats. A atualização periódica destes dados, conforme previsto no Artigo 40.º-D, ponto 4, é essencial, de forma a garantir que as ZAER permanecem adequadas para projetos de energias renováveis mesmo face a alterações naturais nos ecossistemas e na distribuição das espécies. O documento em consulta não refere a periodicidade do processo de atualização das ZAER. O GEOTA recomenda que a atualização periódica das ZAER seja efetuada a cada 5 anos, ou seja, em 2030, 2035, 2040 e 2045.
- A definição de áreas para projetos de energia eólica offshore não deve ser incluída neste procedimento de mapeamento de ZAER, dada a pouca experiência de Portugal com esta tecnologia que não permite antecipar impactos ambientais sem a execução de uma Avaliação de Impacto Ambiental caso-a-caso. Adicionalmente, conforme o Artigo 40.º-C, alinha a), não existe conhecimento científico suficiente sobre os ecossistemas marinhos que permita “considerar que essas zonas possuem características ambientais suficientemente homogéneas, em que não se espera que a implantação de um tipo ou tipos específicos de fontes de energia renováveis tenha um impacte ambiental significativo”.
- O GEOTA espera que o processo de Avaliação Ambiental Estratégica seja detalhado, participado e transparente, com foco nos territórios mais afetados pela futura implantação de projetos de energias renováveis no âmbito das ZAER. Desde o início, deve ser feita uma definição clara do âmbito, incluindo a identificação dos fatores ambientais relevantes (biodiversidade, solo, água, ar, clima, património, paisagem, população, saúde humana, etc.), a delimitação do âmbito territorial e temporal e o envolvimento das entidades com responsabilidades ambientais. Neste sentido, destaca-se a criação de uma comissão consultiva, prevista no Artigo 40.º-D, ponto 4, onde devem estar representadas as associações de defesa do ambiente e também as autarquias e grupos de cidadãos dos territórios afetados. A Avaliação Ambiental Estratégica deve considerar vários cenários alternativos (incluindo o “cenário zero” - sem implementação do plano), refletindo diferentes projeções ao nível da implementação de projetos de energias renováveis.
- O GEOTA concorda com o Artigo 40.º-C, ponto 2, alinha a), de acordo com o qual as ZAER devem “dar prioridade a superfícies artificiais e edificadas, como telhados e fachadas de edifícios, infraestruturas de transporte e suas imediações, parques de estacionamento, explorações agrícolas, locais de deposição de resíduos, zonas industriais, minas, massas de água interiores, lagos ou reservatórios artificiais e, sempre que adequado, instalações de tratamento de águas residuais urbanas, bem como terrenos degradados não utilizáveis para a agricultura”. A definição das ZAER deve respeitar este princípio e devem ser estabelecidos mecanismos próprios para alavancar o potencial de produção de energia nestas áreas.
- O GEOTA considera que as áreas de exclusão da ZAER propostas pelo Governo, no Artigo 40.º-C, ponto 2, alinha b), são adequadas e devem ser respeitadas integralmente, incluindo as áreas da Rede Natura 2000, as zonas designadas ao abrigo de regimes nacionais de proteção para a conservação da natureza e da biodiversidade, as principais rotas migratórias de aves e mamíferos marinhos, As áreas de povoamentos de sobreiro e azinheira, assim como áreas com exemplares das espécies protegidas de sobreiro, de azinheira e de azevinho, o arvoredo de interesse público e respetivas zonas gerais de proteção, os corredores ecológicos dos Programas Regionais de Ordenamento Florestal, os espaços de conservação de habitats, de espécies da fauna e da flora e de geomonumentos, as áreas submetidas a Regime Florestal Total, as áreas de Risco Potencial Significativo de Inundação, as zonas de infiltração máxima das águas subterrâneas, as zonas de proteção imediata e intermédia definidas no âmbito dos perímetros de proteção das captações de água destinadas ao abastecimento público, as áreas de valor cénico-paisagístico excecional, os bens imóveis classificados ou em vias de classificação e as respetivas zonas de proteção legal e o património cultural arqueológico. O GEOTA também que a designação de Património Mundial (incluindo Património Agrícola Mundial) deve constar nesta lista de exclusões. O GEOTA ressalva que, muitas destas áreas de exclusão agora elencadas, deveriam não só ser aplicáveis à designação de ZAER mas também à implementação de projetos de energias renováveis centralizados na sua generalidade.
- A definição das ZAER deve ser compatibilizada com as redes de transporte e de distribuição de eletricidade existentes e com os projetos de reforço e expansão das redes que já se encontram em fase avançada de desenvolvimento. Neste âmbito, a Avaliação Ambiental Estratégica deve estudar os impactos ambientais da expansão da rede elétrica e da ligação à rede dos projetos de energia renovável situados em ZAER, considerando os vários níveis de tensão.
- O GEOTA considera que é fundamental que a Avaliação Ambiental Estratégica analise os impactos cumulativos no território. Tal pode incluir o estabelecimento de limites em termos de dimensão permitida para as centrais solares nas respectivas ZAER, o aumento do limite mínimo de proximidade face a aglomerados urbanos e habitações dispersas e também as condicionantes relativas a outras atividades económicas na proximidade. Os efeitos cumulativos devem considerar não só considerar o efeito dos sistemas fotovoltaicos, mas também os efeitos de outros sistemas “intensivos” (por exemplo, sistemas agrícolas). Todos estes sistemas em áreas de grande dimensão contribuem para um impacto ambiental altamente relevante - a expansão e homogeneização de áreas inóspitas para a biodiversidade.
- Embora os projetos situados em ZAER possam estar isentos do processo tradicional de Avaliação de Impacto Ambiental, o GEOTA considera que é essencial existir, pelo menos, uma “Checklist” de Avaliação de Impacto Ambiental para projetos em ZAER, que considere os aspetos ambientais e sociais relevantes. Este procedimento simplificado deverá permitir a identificação de valores ecológicos ou outros não identificados anteriormente durante o processo de definição de ZAER, o que, caso se considere necessário, deverá levar a mudanças no dimensionamento, desenho e operação dos projetos de energias renováveis e, em último caso, poderá levar mesmo à sua rejeição. Este processo deve incluir, de forma abreviada e célere, todas as entidades envolvidas na Avaliação de Impacto Ambiental convencional e o documento resultante deve ser publicado abertamente e divulgado para as partes interessadas. O Governo estabelece a base para a criação desta “Checklist”, no Anexo I, ponto 9, alinha e), através da obrigatoriedade dos promotores demonstrarem que “o projeto não provoca impactes negativos significativos que não tenham sido identificados durante a avaliação ambiental do programa setorial que identifica a ZAER”. Ainda assim, este ponto carece do detalhe necessário e a “Checklist” proposta pelo GEOTA deverá ser regulamentada em portaria própria, depois de auscultadas as entidades relevantes, incluindo a sociedade civil.
- Adicionalmente, o GEOTA recomenda que seja desenvolvido um Guia de Boas Práticas Ambientais vinculativas para os projetos de energias renováveis, com foco nas ZAER, mas de aplicação mais abrangente. Este guia deve tornar vinculativas disposições que já se encontram presentes na legislação nacional (como a conservação do recurso solo) e aumentar a exigência ambiental dos projetos. O Guia deve incluir medidas ambiciosas de mitigação dos impactos ambientais ao nível da fauna, flora, solo e água, por exemplo proibindo o abate de espécies protegidas por lei, evitando o abate de outras árvores, protegendo as linhas de água e charcas e restringindo a decapagem do solo e a movimentação de terras, e deve também incluir, como solução de última linha mecanismos de compensação exigentes e de monitorização obrigatória, como a plantação de flora endémica na própria área do projeto ou na sua proximidade, o restauro da vegetação ripícola e a criação de abrigos para a fauna. O objetivo de garantir boas práticas ambientais está presente no Artigo 40.º-C, alinha c,ii), “evitar a deterioração e alcançar um bom estado ecológico ou um bom potencial ecológico” e está também implícito no Anexo I, ponto 9, alinha d), nomeadamente ao ser pedido ao promotor a “demonstração do cumprimento das regras e medidas de mitigação impostas em resultado da avaliação ambiental do programa setorial que definiu a ZAER em causa”, e na alinha f) que visa a “identificação de eventuais medidas adicionais com vista à mitigação de eventuais impactes ambientais”. Ainda assim, este ponto carece do detalhe necessário e o Guia proposto pelo GEOTA deverá ser regulamentado em portaria própria, depois de auscultadas as entidades relevantes, incluindo a sociedade civil.
- O GEOTA considera pertinente que o projeto legislativo refira a necessidade de melhorar a participação e envolvimento do público nos projetos de energias renováveis, no Artigo 40.º-A e na proposta de criação de um Plano Nacional para a Promoção do Conhecimento e da Aceitação Pública das Energias Renováveis. No entanto, o GEOTA considera que o objetivo não deve ser apenas facilitar a aceitação pública dos projetos de energias renováveis, mas sim providenciar uma real partilha de benefícios com as comunidades locais. Assim, a portaria a ser definida pelo Governo deve apresentar critérios exigentes para as medidas de envolvimento das comunidades locais e de partilha de benefícios, que devem ser vinculativas para projetos em ZAER e noutras áreas. Em primeiro lugar, existe a necessidade de melhorar a comunicação com os cidadãos, sociedade civil e autoridades locais de forma a mitigar potenciais impactos do projeto de energias renováveis. Esta comunicação deve começar numa fase muito inicial dos projetos para que as contribuições possam ser refletidas no desenho do projeto. Em segundo lugar, devem ser promovidas medidas específicas que compatibilizem os projetos de energias renováveis com outras atividades no território. Neste sentido, destaca-se o potencial da compatibilização de projetos de energias renováveis com atividades agrícolas pré-existentes ou a desenvolver com o projeto, garantindo-se que o desenho do projeto de energias renováveis é adequado para este fim. Em terceiro lugar, os promotores devem implementar medidas para compensar as comunidades locais pelos impactos negativos dos projetos de energias renováveis. Tal pode incluir a possibilidade dos cidadãos, por exemplo através de cooperativas de energia e comunidades de energia, se tornarem co-investidores e co-proprietários das centrais solares. Recomenda-se também a criação de fundos para apoiar as comunidades locais na transição energética, por exemplo, ao nível da renovação energética das habitações e da criação de comunidades de energia renovável autónomas, com o objetivo de fomentar a sustentabilidade e resiliência das comunidades e mitigar a pobreza energética.
- Por fim, o GEOTA recomenda que sejam reforçados os meios e mecanismos de fiscalização e monitorização para os projetos de energias renováveis. A fiscalização deverá ser efetuada de forma a garantir no curto, médio e longo prazo o cumprimento das medidas de mitigação e compensação acordadas, tanto para os projetos localizados em ZAER como noutras áreas, através de uma presença efetiva das entidades fiscalizadoras no território. A monitorização requer a utilização de uma abordagem unificada, com indicadores bem definidos, incluindo, por exemplo, a lista de espécies prioritárias e estimativas de abundância, devendo ser iniciado antes da construção e realizado a cada três anos e após o desmantelamento.

