Rios e Água
A vitória na batalha da barragem do Pisão
Data
05
Fevereiro
2025
Autor
Autor:
GEOTA

Este é o relato de uma vitória histórica no direito do ambiente em Portugal. E também do esforço que implicou para todos os envolvidos.

GEOTA

O dossier de contencioso jurídico, análise técnica e participação pública relativo ao empreendimento da Barragem do Pisão obrigou a um esforço muito elevado por parte do GEOTA, que se traduziu em:

  • 43 mil euros em despesas de advocacia desde agosto de 2022;

  • 4 mil euros em custos de pessoal técnico e administrativo diretamente envolvido em mais de 200 horas de trabalho;

  • Um valor semelhante em trabalho voluntário dos colaboradores do GEOTA e de outras organizações

  • Um vídeo publicado nas redes sociais "Diga NÃO à barragem do Pisão"

  • Um arquivo digital de muitas pastas abrangendo mais de 2000 ficheiros de texto, cartografia e outros conteúdos, e perto de 12 GB para gerir.

O projeto do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (AHFM do Crato), conhecimento como "Barragem do Pisão" foi alvo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) em Fase de Estudo Prévio, tendo obtido, a 1 de setembro de 2022, a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável à execução da Alternativa 2 do projeto e condicionada ao cumprimento dos termos e condições referidos na DIA.

Localização:

GEOTA

O AHFMC foi aprovado no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), de acordo com o Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de fevereiro de 2021, para financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), previamente à decisão em sede de Avaliação de Impacte Ambiental.

Área inundada pela albufeira da barragem do Pisão, em caso de concretização do projeto:

GEOTA

Para efeitos de desenvolvimento as infraestruturas do AHFMC foram divididas em três projetos de execução: 

  • A - Projeto de Execução das Infraestruturas Primárias; 

  • B - Projeto de Execução das Infraestruturas Secundárias.

  • C - Projeto de Execução das Centrais Solares Fotovoltaicas; 

De 09 a 29 de Março de 2023 decorreu a consulta pública RECAPE (Conformidade Ambiental) do Projeto de Execução do AHFM do Crato – Barragem do Pisão – Infraestruturas Primárias. 

De 03 a 23 de Novembro de 2023, decorreu a consulta pública RECAPE do Projecto de Execução de Infraestruturas de Regadio do Aproveitamento Hidroagrícola do Crato, após a qual a decisão foi no sentido de ser declarada a não conformidade com a DIA. Seria repetida, com reformulações, de 20 de Maio a 11 de Junho de 2024. 

De 21 de Junho a 11 de Julho de 2024 decorreu a consulta pública RECAPE do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato e Componente C – Aproveitamento Fotovoltaico. 

Aos RECAPE o GEOTA emitiu também pronúncias negativas, a par de outras ONGA.

Em 18 de Agosto de 2023 foi publicado o Anúncio de Procedimento nº 13941/2023 – Concurso Público Internacional, cujo objeto do contrato é precisamente a Empreitada geral de Construção das infraestruturas primárias de regularização de caudais do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato – Barragem e Central Hidroelétrica do Pisão.

O GEOTA foi, desde o início, contra este projeto, pelos motivos apontados em baixo, e bateu-se em tribunal contra a Barragem do Pisão, contestando o suposto interesse público da obra e salientando os graves impactes ambientais negativos referidos no EIA – Estudo de Impacte Ambiental. Esta causa reuniu a adesão de outras ONGA (LPN, QUERCUS, ZERO e SPEA) que se tornaram assistentes na ação principal ou apoiaram os recursos.

O EIA do empreendimento refere claramente que "o projeto gerará significativos impactes negativos, quer na fase de construção, quer na fase de exploração, com afetação substancial de valores naturais, patrimoniais, ecológicos e socioeconómicos, diversos dos quais de carácter de alguma singularidade e relevância (quer conservacionista quer histórica)". 

GEOTA

Entre outros, a construção desta barragem resultará na destruição de habitats protegidos e no abate de árvores protegidas (quase de 60 mil árvores, entre povoamentos de azinheiras e sobreiros, espécies protegidas pela legislação portuguesa), na alteração e interrupção dos regimes de caudais naturais da ribeira de Seda, na conversão de áreas agrícolas de sequeiro em regadio, incentivando o consumo de água onde ela já escasseia, reduzindo a biodiversidade, na artificialização dos usos do solo, na possível contaminação dos solos e das águas e na destruição da aldeia do Pisão, com a deslocalização dos seus habitantes, para benefício restrito a alguns grandes proprietários e aos agentes económicos ligados ao agronegócio.

Considerando a descrição do projeto e os impactes identificados no próprio Estudo de Impacte Ambiental, tornou-se óbvio que:

  • o interesse público do projeto é inexistente, uma vez que o principal objetivo da construção da barragem do Pisão não é o abastecimento público - considerando o cenário de decréscimo da população das regiões em causa, os dados apresentados confirmam que o volume útil da Barragem de Póvoa e Meadas é suficiente para abastecimento público; acresce que, no estudo do projeto, não foi feita uma avaliação de alternativas de abastecimento específicas para esta componente;

  • o projeto não cumpre os objetivos ambientais, estabelecidos no princípio de Não Prejudicar Significativamente (Do No Significant Harm - DNSH) do instrumento que o financia, o MRR;

  • a avaliação subjacente ao princípio de DNSH implica uma análise do projeto com a "opção zero" (manutenção da situação existente), que não resulta clara, sequer suficiente, do estudo de impacte ambiental apresentado;

  • a construção da Barragem do Pisão contraria o objetivo de transição ecológica, originando impactos muito significativos e negativos no ambiente.

O custo final da Barragem do Pisão e da central fotovoltaica aproximar-se-ia dos 300 milhões de euros, sendo que, para a barragem e a central hidroelétrica do Pisão, o valor de construção é de 71,7 milhões de euros. A execução da barragem levaria à concretização de um empréstimo a ser contraído pelo Estado, de 140 milhões de euros, levando a mais esse endividamento público.

No nosso entendimento, urgia impedir a tomada de decisões subsequentes ao Título Único Ambiental (TUA) e à Declaração de Impacte Ambiental (DIA), e a inerente criação de expectativas, prejudiciais aos interesses privados e, ainda, muito mais, ao interesse público do Estado Português.

Por esses motivos, em novembro de 2022, o GEOTA, apoiado pela LPN, Quercus e ZERO, colocou uma ação administrativa para a anulabilidade ou anulação do TUA.

O Ministério Público acompanhou esta posição colocando uma ação semelhante em 2023, reforçando os argumentos contra este projeto.

Face ao desenvolvimento do projeto da barragem do Pisão, que não parou, apesar da pendência da Ação Administrativa, a 30 de julho estas ONGA colocaram uma Providência Cautelar pelo fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, de prejuízos de difícil reparação, antes que a ação principal pudesse ser considerada procedente.

Apesar de toda a argumentação sobre os factos e riscos suscitados na Ação Administrativa e na Providência Cautelar, a sentença da primeira instância para a Providência Cautelar (7 outubro 2024) não considerou que se esteja numa situação de risco séria, atual e efetiva que faça perigar o efeito útil de uma eventual decisão de procedência da ação principal.

Discordando da sentença do Tribunal, o GEOTA e as outra ONGA apresentaram, em 25 de outubro de 2024 um recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, visando acautelar o efeito útil da ação administrativa principal.

GEOTA

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAFCB) emitiu em 17 de janeiro de 2025 a sentença do processo Pisão em que ANULOU a DIA (Declaração de Impacte Ambiental) anexa ao TUA (Título Único Ambiental), emitido em setembro de 2022, e condenou a APA - Agência Portuguesa do Ambiente a averbar no TUA a sentença de anulação.

A CIMAA – Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo já fez saber através da comunicação social que irá recorrer da sentença. Não é conhecida qual a decisão da APA-Agência Portuguesa do Ambiente, em relação a este assunto.

O GEOTA e os seus parceiros não podem deixar de responder, nesta fase, a este novo desafio.

Uma boa notícia veio acompanhar,  recentemente, esta vitória judicial: no quadro reprogramação de 2025 do PRR o projeto da barragem do Pisão foi retirado do financiamento do MRR para Portugal, libertando essa verba para outras matérias onde o investimento é mais urgente.

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