2020
Desde há décadas que o GEOTA vem reclamando mais atenção e investimento nos transportes públicos.
Segundo João Dias Coelho, presidente da organização de defesa do ambiente, ”os números são expressivos: em Portugal, 89% das deslocações realizam-se em automóvel individual, e este número não parou de crescer nos últimos 30 anos; nas deslocações pendulares nas regiões metropolitanas, cerca dois terços das pessoas usa automóvel, um terço transporte público (há 30 anos esta proporção era inversa); 55% dos nossos 2700 km de auto-estradas não têm tráfego que justifique o perfil de auto-estrada mas, além das portagens, andamos a pagar 1500 M€/ano, dos nossos impostos, aos respetivos concessionários; a maioria das deslocações intercidades é mais rápida e mais barata por autocarro do que por comboio; na Área Metropolitana de Lisboa (onde vive 28% da população do País), a comparticipação do Estado no financiamento dos transportes públicos é cerca de 10% (quando o normal, nas grandes cidades europeias, é de 30 a 80%); os horários e tarifários da generalidade dos transportes públicos não prezam a intermodalidade nem parecem focados nos utentes.”
Para o GEOTA, esta situação é resultado de um acumular de décadas de políticas erradas: promoção da expansão em mancha de óleo dos subúrbios, construção de auto-estradas sem racionalidade, desinvestimento na ferrovia e promoção do automóvel individual.
Iniciativas recentes em várias cidades portuguesas, como o desenvolvimento dos modos suaves e a (re)criação dos passes intermodais, são bem-vindas mas precisam de ser complementadas com outras medidas que resolvam problemas chave a identificar: a ausência de uma estratégia de mobilidade consequente, a ausência de uma doutrina de operação centrada no utente, e a ausência de um modelo de financiamento sólido e transparente para os transportes públicos que tenha em consideração a necessidade de redução imediata de emissões de dióxido de carbono.
O GEOTA defende para Portugal “um novo paradigma, onde os transportes públicos sejam entendidos, como na maior parte do Mundo, como um serviço público absolutamente essencial à vida social e económica das cidades (além dos benefícios para a saúde pública e o ambiente, em comparação com o uso excessivo do carro).”
Em 2020 chegou a pandemia, que está em vias de provocar, a nível global, a maior crise social e económica desde a 2ª Guerra Mundial. Esta crise teve ainda assim algumas virtudes: ensinou-nos a viver com menos, a ser mais solidários e resilientes, a levar a sério o teletrabalho, evidenciando, aos olhos de todos, as desigualdades e injustiças.
“Infelizmente, no domínio dos transportes públicos parece que aprendemos pouco”, afirma João Dias Coelho. “O desconfinamento aconselha ao reforço imediato dos transportes públicos, em especial nas áreas metropolitanas: no triplo sentido de gerar confiança em quem tem de se deslocar desta forma para o trabalho, de permitir o devido afastamento social, e de evitar o recurso excessivo ao automóvel individual. Aconselha igualmente a que o Estado e as empresas promovam o teletrabalho sempre que isso permita manter a produtividade, pois tal reduze os riscos de contágio e também alivia os transportes."
Em vez disso a que assistimos?
- "A empresas de transportes com parte do pessoal em lay-off, meses depois do início do desconfinamento;
- Reporte na comunicação social de episódios frequentes de transportes sobrelotados, em particular no Metro de Lisboa, na Carris, nos suburbanos da CP e da Fertagus, nas ligações da Transtejo e nos autocarros suburbanos; mas os comboios intercidades andam vazios, mesmo quando fazem percurso igual aos suburbanos;
- Muitos autocarros suburbanos não cumprem horários regulares, ou reduziram os seus horários em relação à era pré-COVID;
- O Governo prometeu que em julho teríamos 90% (!!!) da capacidade de transportes pré-COVID;
- Não há ainda estudos epidemiológicos em Portugal, mas há indícios de que os transportes públicos representam riscos de contágio quando sobrelotados — um risco relevante e evitável;
- Muitas seguradoras estão a limitar as coberturas das apólices de acidentes de trabalho no caso de teletrabalho, algo que tem de ser equacionado e contrariado;
- Muitos serviços do Estado estão a insistir no trabalho presencial mesmo quando ele não é necessário.”
Em comunicado enviado hoje, o GEOTA sustenta ainda que
“Precisamos de transportes públicos seguros e que prestem um bom serviço. Já precisávamos antes, mas agora temos um problema de saúde pública. Não interessa perder tempo a passar culpas. Interessa que Governo, autarquias, empresas de transportes, sindicatos, organizações cívicas e utentes, colaborem para encontrar soluções que funcionem e que sirvam as pessoas. Os transportes públicos de qualidade devem ser uma ferramenta na luta contra a pandemia e uma política sustentável de mobilidade.”
Sobre este tema, o GEOTA vai organizar um webinar, em data a anunciar em breve, com a participação de convidados e responsáveis nesta área de intervenção, que será transmitido nas suas redes sociais.
Imagem: Sic Notícias
2020