2024
As Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) ANP|WWF, GEOTA, LPN, Sciaena, SOA Ocean Devotion Madeira, SPEA e ZERO manifestam a sua profunda preocupação e desaprovação perante a possível abertura da Reserva Natural das Ilhas Selvagens, na Madeira, à pesca do atum. Colocada no âmbito das negociações para sustentar um novo governo regional na Madeira, a possibilidade de se permitir a pesca na maior Área Marinha Protegida (AMP) do Atlântico Norte não só comprometeria a integridade ambiental da reserva, mas também colocaria em risco anos de esforços de conservação dos habitats de inúmeras espécies marinhas.
Esta área, atualmente a maior do Atlântico Norte, também em termos de proteção total, é um refúgio essencial para a biodiversidade marinha, abrigando espécies únicas e desempenhando um papel crucial na preservação dos ecossistemas marinhos e na própria produtividade do mar da Madeira, que beneficia do efeito spillover[1] que as reservas marinhas integrais, como a das Selvagens, fornecem.
As ONGA alertam que a abertura da reserva à pesca poderá ter consequências desastrosas e irreversíveis para o equilíbrio ecológico da região insular. Estudos científicos demonstram que áreas de proteção total, como a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, são fundamentais para a regeneração das unidades populacionais e para a manutenção da saúde do meio. As Selvagens são uma zona importante para a nidificação de muitas espécies de aves marinhas, como a cagarra (Calonectris borealis), o calca-mar (Pelagodroma marina) ou o pintainho (Puffinus lherminieri), tendo estas duas últimas espécies um estatuto de ameaça na Região da Madeira. A partir de 1976, a melhoria da proteção da ilha permitiu recuperar a população de cagarras que esteve quase a desaparecer, tendo hoje as Selvagens a colónia com maior densidade de todo o mundo. Em 2022, a extensão da área protegida para mais de 27 vezes a área anterior tornou as Selvagens a maior área marinha com proteção total da Europa. São mais de 2600 km² de mar salvaguardado de atividades extrativas como a pesca ou a exploração de inertes, privilegiando a conservação de um valioso e riquíssimo património natural.
Há apenas dois anos, aquando da criação “da maior área marinha da Europa com proteção total”, o líder do executivo Miguel Albuquerque dizia, acertadamente, que a Madeira “tem sido uma referência mundial em matéria de políticas de conservação da natureza“ e que esperava que a medida servisse “de inspiração para que outros decisores tomem medidas semelhantes, no sentido da preservação” do oceano. Considerar a abertura à pesca de uma área já protegida é perigoso, indesejado e contraria os esforços globais de proteção ambiental, essenciais para combater a crise climática e da biodiversidade. Abrir exceções para esta ou qualquer outra atividade extrativa é altamente preocupante, num momento em que é crucial demonstrar firmeza e liderança. Como país marítimo, Portugal tem a oportunidade e a responsabilidade de ser uma referência global na defesa do oceano.
Esta proposta é também incompatível com os objetivos da Agenda 2030, especialmente com a meta de proteger estritamente 10% do mar. Atualmente, Portugal protege integralmente (ou seja, sem permitir quaisquer atividades extrativas) apenas 3% das suas águas, estando muito aquém das metas estabelecidas. Esta situação agravar-se-á ainda mais se houver retrocessos nos pequenos avanços alcançados, reduzindo a área que Portugal tem atualmente de proteção integral. Tal evidencia a importância de proteger refúgios marinhos como as Selvagens, um dos poucos verdadeiramente protegidos em território nacional.
As ONGA apelam assim ao Presidente do Governo Regional e ao Governo da República para que travem esta possibilidade e defendam a manutenção da proteção total da reserva como uma prioridade para garantir a sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a preservação da biodiversidade marinha para as futuras gerações. As ONGA disponibilizam-se ainda para continuar o diálogo com o sector da pesca do atum no sentido de identificar outras medidas que possam contribuir para as condições sócio-económicas da sua atividade, sem pôr em causa a conservação do ambiente.
[1] As AMP permitem proteger diferentes fases de vida dos organismos marinhos, incluindo adultos reprodutores de espécies comerciais de peixe e eventos de desova. Além dos adultos e juvenis que podem movimentar-se e migrar para fora das fronteiras da AMP (efeito de spillover), os ovos e larvas produzidos são muitas vezes exportados por vezes até distâncias consideráveis, repovoando zonas não protegidas, o que contribui para a recuperação de mananciais de pesca.
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