Ambiente e Território
Parecer do GEOTA: Ponte Internacional sobre o Rio Sever
Data
18
Setembro
2024
Autor
Autor:
GEOTA

No âmbito do procedimento de consulta pública do Projeto da “Ponte Internacional sobre o Rio Sever e Acessibilidades”, o GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente - vem questionar a relevância do projeto e criticar aspetos específicos do respetivo Estudo de Impacto Ambiental, de forma a contribuir para a sua melhoria. Consideramos preocupante a necessidade de construir uma nova ponte num local de relevante sensibilidade ambiental, quando já existe no local uma passagem internacional pelo coroamento da Barragem de Cedilho que foi utilizada até aos anos noventa, e que continua a ser utilizada aos fins de semana. Consideramos que seria desejável que tivesse sido estudada esta opção zero do projeto.


O GEOTA baseia o seu parecer e as suas sugestões para a melhoria estrutural do projeto nos seguintes pontos:


Ponto 1 - O GEOTA considera essencial em termos sociais e económicos a ligação entre as duas margens do rio assegurando a proximidade entre as populações dos dois lados da fronteira, permitindo o acesso rodoviário e pedonal entre Montalvão e Cedilho.


Ponto 2 - É necessário que esta ligação seja estabelecida da forma mais económica e ambientalmente menos prejudicial.


Existindo já uma passagem internacional entre Portugal e Espanha através de infraestrutura rodoviária através do coroamento da Barragem de Monte Fidalgo (a conhecida Barragem de Cedilho que existe desde 1975) a questão que se põe é se é mesmo necessária a construção de uma nova ponte internacional sobre o Rio Sever. Esta passagem internacional pelo paredão, é aberta, apenas, para utilização durante o fim-de-semana, 36 horas, ficando o acesso vedado durante a semana. De salientar que a passagem na Barragem é vigiada durante toda a semana por câmaras de vigilância e funcionários que acautelam todas as questões de segurança.


Esta é a única fronteira encerrada no espaço Schengen. E a passagem entre os dois países só foi proibida desde a década de 1990, contrariando o princípio da livre circulação e mobilidade na União Europeia.


Segundo o EIA objeto desta consulta pública, a passagem livre entre Portugal e Espanha sempre aconteceu durante séculos, inclusive durante as ditaduras de Franco (Espanha) e Salazar (Portugal), em área de Domínio Público Comum;

 O GEOTA defende que deveria ser estudada a opção zero, que não é equacionada no EIA.


Ponto 3 - A estimativa de tráfego médio diário (TMDA), conforme página 8 do EIA, é de 300 automóveis/dia. Na EM 1139 o TMDA é inferior a 100 automóveis /dia, pelo que nos parece ser de questionar/avaliar a necessidade da construção de uma nova ponte e alargamento da EM1139 em 7 metros de largura e 1 metro de berma.


Ponto 4 - O EIA omite alguns aspetos que parecem ao GEOTA de interesse explicitar:

  • a identificação da ZEPA do Rio Tajo Internacional y Riberos (ES0000368) e da ZEC Cedilho - Rio Tajo Internacional (ES4320002), constantes na zona de abrangência do projeto, no lado espanhol, facilmente identificadas no portal oficial da Rede Natura da União Europeia, Natura 2000 Viewer: natura2000.eea.europa.eu (exemplo da omissão no mapa da página 89 do EIA);
  • nomeação de diversos habitats, alguns destes prioritários, constantes no anexo B-I da Diretiva Europeia Habitats, que serão afetados com a construção da nova travessia proposta, que passamos a discriminar:
    • -> 4020 - Charnecas Húmidas de Erica Ciliaris e Erica Tetralix;
    • ->6220 (prioritário)- Subestepes de gramíneas da Thero-Bractidopedea não consta nos resumos não técnicos;
    • -> 92A0 - Galerias ripícolas com Salix Alba e Populus Alba;
    • -> 9330 - Florestas de Quercus Suber, apesar de referirem povoamentos de Sobreiros para abater, nas páginas 17 e 18 dos resumos não técnicos;
    • -> 9320 - Florestas de Olea e Ceratonia, apesar de referirem o Regime de Proteção do Olival;
    • -> 8220 - Escarpas rochosas siliciosas com vegetação casmofitica;
    • -> 92D0 - Galerias e matos ribeirinhos meridionais (Nerio-tamaricetea e Securinegion tinctoriae);
    • ->3280 - Cursos de água permanentes da Paspalo-Agrostidion com cortinas arbóreas ribeirinhas de Salix e Populus Alba;
    • -> 3290 - Cursos de água mediterrânicos intermitentes da Paspalo-Agrostidion;
    • ->4010 - Charnecas Húmidas atlânticas setentrionais de Erica Tetralix;
    • -> 4030 - Charnecas secas europeias;
    • -> 4090 - Charnecas oromediterranicas endémicas com giestas espinhosas;
    • -> 5210 - Matagais arborescentes de Juniperus spp;
    • ->6210 - Prados secos seminaturais e fáceis arbustivas em substrato calcário (Festuco-Brometalia) - apesar de não existirem calcários são referidas várias espécies protegidas de orquídeas;
    • ->6230 (prioritário) - Formações herbáceas de Nardis, ricas em espécies de substratos siliciosos das zonas montanas (e das zonas submontanas da Europa Continental);
    • -> 8230 - Rochas siliciosas com vegetação pioneira da Sedo-Soleranthion ou da Sedo Albi-Veronicion Dillenii.

Nota importante: estes habitats podem ser verificados no portal europeu Natura 2000 Viewer da UE: natura2000.eea.europa.eu


Ponto 5 - O GEOTA considera importante que tivesse sido garantido mais trabalho de campo no âmbito do EIA para obtenção de dados mais atualizados, pois a maioria da caracterização de referência foi feita através de “levantamentos bibliográficos", em detrimento de levantamentos de terreno.

Com efeito pode ler-se na página 88 do EIA - Relatório Síntese - volume II:" A caracterização da Flora e Vegetação na área de estudo foi realizada com recurso a consulta bibliográfica e prospeção no campo. As visitas de campo foram realizadas a 27/06/2022 e a 18/03/2023", ou seja, em 2 anos de compilação do EIA foram apenas realizados dois dias de pesquisa no terreno abrangido pelo projeto, o que parece escasso.


Ponto 6 - De acordo com o EIA prevê-se a necessidade de abate ao todo de 450 Azinheiras e 191 Sobreiros, espécies protegidas por lei.


Ponto 7 - Na página 17 do Resumo Não Técnico estão identificadas 21 espécies botânicas RELAPE (espécies com estatuto de proteção e/ou em vias de extinção) integradas em 11 famílias onde estão presentes 9 endemismos ibéricos, 2 endemismos lusitanos, 5 espécies de Orquídeas, uma espécie de Narcissus, Narcissus Triandrus, entre várias outras, que deverão ser conservadas e preservadas devido à legislação internacional, comunitária e portuguesa que as protege.


A monitorização da Fauna também peca por uma falha de trabalhos no campo, nos dois anos de estudos para elaboração do EIA, tendo sido realizadas apenas duas visitas de campo à área de estudo (páginas 119, 120 Vol. 2, do Relatório Síntese do EIA), com poucos resultados. E só são identificadas 19 espécies de aves, tendo sido apenas escutados/observados 45 minutos de avifauna(15) todos juntos à EM1139 e observadas 4 aves planadoras em apenas 3 horas de observação no campo, apesar de referirem que toda a obra irá ter influência em 3,2 hectares (pág. 193 Relatório EIA).

Contudo, refere-se ainda na bibliografia consultada no âmbito do EIA, o portal EBIRD, onde existem listas com mais de 30 espécies de aves identificadas numa só visita, por apenas um observador.


Ponto 8 - Não é referido a existência de duas espécies de aves com estatuto elevado de proteção e em grave perigo de extinção, sendo uma delas endemismo ibérico, com nidificação comprovada na área do Projeto: Águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e Falcão-peregrino (Falco peregrinus), protegidas pelo Anexo I da Diretiva Europeia das Aves, apesar de terem monitorizado bibliograficamente 113 espécies de aves e 44 famílias, como vem explicitado entre as páginas 130 e 136 do resumo técnico do EIA.

E apesar destas duas espécies de rapinas serem referenciadas nos Atlas das Aves Nidificantes e nos EBIRDs de Portugal e Espanha.


Na página 79 do volume II do relatório Síntese do EIA, o ICNF é bastante objetivo no parágrafo "A avaliação do projeto deverá ser realizada de acordo com o objetivo no artigo 6. da Diretiva Habitats." referindo a ocorrência de nidificação comprovada de Cegonha-negra, Abutre-do-Egipto, Grifo, Águia-real, Águia-de-bonelli, na zona do projeto.


 Ponto 9 - No relatório síntese do EIA são identificadas 26 áreas muito críticas de reprodução e alimentação para aves ameaçadas e com elevado estatuto de proteção a nível europeu e mundial (pags. 141 e 142 e 143).


Ponto 10 - Na página 146 e 147, são referidos 6 abrigos de importância nacional/regional/local para espécies de morcegos, protegidos pela Diretiva Europeia Habitats, num raio de 15 quilómetros, sendo os rios locais de alimentação prioritários.


Ponto 11 - A monitorização de Fauna e Flora foram realizadas em apenas 6 dias: 27/06/2022, 18/03/2023, mais 4 dias de 20 a 24/11/2023 (sem cumprimento da legislação do RJAIA), com apenas 45 minutos de observação e escuta da avifauna, mais 3 horas de observação em pontos altos, apenas inventariando 19 espécies no terreno, o que nos parece pouco.


Ponto 12 - Não foram inventariadas no campo espécies ameaçadas de insetos, libelinhas, borboletas, alguma das quais protegidas como acontece com a Euphydreas Aurinea.


Importa ainda referir que recentes notícias referem o anúncio da Comissão Europeia de Portugal estar a ser alvo de processo do Tribunal de Justiça da União Europeia por infração de Portugal referente à transposição da Diretiva “Habitats” (92/43/CEE), por se considerar na legislação nacional medidas compensatórias para além das medidas de minimização de impactes ambientais, facilitando assim a aprovação de projetos, em prejuízo da conservação da natureza. Conforme citação de comunicado do executivo da UE “contrariamente à diretiva e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a legislação portuguesa permite ter em conta não só as medidas de atenuação, mas também as medidas compensatórias para os danos esperados do projeto ao determinar se um projeto tem um efeito significativo nos sítios Natura 2000. Permitir a inclusão destas medidas compensatórias durante a avaliação de um projeto compromete o resultado da avaliação". https://www.publico.pt/2024/05/23/azul/noticia/ue-portugal-infraccao-ma-avaliacao-impacto-ambiental-2091543


Em conclusão o GEOTA defende EIA mais aprofundado com o objectivo de reforçar a proteção da biodiversidade e estudar a Alternativa/opção zero.


Concordando-se com a necessidade de assegurar a passagem internacional e a mobilidade dos cidadãos entre os dois países, mas representando o projeto custos financeiros e impactos ambientais significativos, o EIA deveria analisar a alternativa de ser utilizado o coroamento da barragem para a referida passagem.

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